segunda-feira, 22 de maio de 2017

Erro de Janot não livra Temer


O presidente Michel Temer durante pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília

 Para defender-se das acusações da delação premiada da JBS, o presidente Michel Temer tentou desqualificar o áudio de sua conversa com o empresário Joesley Batista. Citou dois peritos, ouvidos pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, que detectaram “cortes” e “edição” na gravação. Pela argumentação de Temer, isso configura uma fraude, suficiente para inocentá-lo.

É lamentável que a Procuradoria Geral da República (PGR) não tenha submetido a gravação a uma perícia técnica antes de incluí-la no inquérito aberto contra Temer. Tudo o que fez foi uma análise preliminar. O áudio foi, segundo o relatório anexo ao processo, “submetido a oitiva sob a perspectiva exclusiva da percepção humana”.

“Encontra-se audível, apresentando sequência lógica. O arquivo possui alguns ruídos, e a voz de um dos interlocutores (Joesley) apresenta-se com maior intensidade em relação à voz do segundo interlocutor, e, em alguns momentos, tornam-se incompreensíveis sem a utilização de equipamentos especializados”, diz o relatório.

O erro da PGR foi suficiente para o país se ver tomado por um debate bizantino sobre manipulação acústica. Só depois da controvérsia, a PGR (assim como a defesa de Temer) pediu à Polícia Federal (PF) uma perícia técnica no áudio. A discussão sobre a gravação ofuscou a compreensão do caso ao misturar duas questões: 1) O que pode ser, concretamente, afirmado sobre a conversa entre Temer e Joesley?; 2) Qual a consequência para Temer?

Comecemos pela primeira pergunta. Se a qualidade do áudio é sofrível, o laudo do perito Ricardo Caires dos Santos, contratado pela Folha de S.Paulo, é ainda mais. Caires limitou-se a transcrever a gravação, com erros grosseiros de português e informação. A presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos Marques, citada por Joesley, vira Marina Silva em seu laudo.

Caires apontou em seu laudo 54 momentos de interrupção na gravação. Ao jornal O Globo, afirmou depois haver não 50, mas 14 pontos de edição e até 20 pontos de cortes, além de outros trechos de ruído. Segundo ele, o áudio não está íntegro, mas é preciso que outro profissional faça uma perícia detalhada. Como seu laudo também parece ser apenas “preliminar”, não permite conclusão definitiva, exatamente como o relatório da PGR.

Embora a qualidade da gravação seja péssima, ela está aparentemente íntegra (mesmo que possa não estar intacta). Isso foi corroborado por uma reportagem da rádio CBN que foi ao ar na sexta-feira pela manhã – antes, portanto, da controvérsia. Como Joesley ouvia a CBN em seu carro antes e depois da conversa co Temer, foi possível medir o tempo de duração.

Antes de Joesley entrar no Palácio do Jaburu, a âncora anuncia o horário de Brasília: 22h32. Na saída, ouve um programa que, segundo a CBN, começa às 23h08. Os 36 minutos entre as dois eventos são compatíveis com a duração total da gravação, quase 39 minutos. “O tempo da conversa é aproximadamente de 38 minutos, o que comprova que o material não teve nenhuma edição”, diz na reportagem o âncora da CBN, Milton Jung.

Para afirmar isso, contudo, teria sido necessário sincronizar com mais precisão a gravação da programação daquele dia com a gravação de Joesley. Mesmo sem fazer isso, a reportagem da CBN é suficiente para descartar hipóteses absurdas, como manipulação ou montagem. Se houve “cortes” ou “edição”, como afirma Caires, não comprometeram o fluxo nem a lógica da conversa. O mais provável é que as falhas no áudio sejam acidentais, provocadas pela má qualidade do equipamento – não intencionais.

A falha da PGR não deve, contudo, obscurecer seus acertos. O áudio não é a única prova apresentada contra Temer na delação. As acusações contra ele têm consistência e gravidade. Mesmo que consiga invalidar o uso da gravação como prova, Temer tem muito a explicar.

A conversa dele com Joesley deve ser compreendida dentro de um contexto que o restante da delação deixa claro. Além de Joesley, o caso contra Temer é corroborado por dois outros depoimentos, do executivo Ricardo Saud (responsável pela contabilidade da propina na JBS) e do funcionário Florisvaldo Caetano de Oliveira (responsável pelo lado prático, a entrega do dinheiro). Temer aparece ainda nas anotações e planilhas entregues pela JBS.

A história de Joesley começa em 2005, com a criação de uma conta corrente alimentada por propinas destinadas ao PT, acertadas com o ex-ministro Guido Mantega, então presidente do BNDES. A cada financiamento recebido pela JBS do banco, disse Joesley, 3% eram destinados a duas contas que ele manteve durante anos para o PT no exterior, chamadas genericamente “Lula” e “Dilma”. Entraram nessas contas também, segundo ele, propinas relativas a aportes recebidos dos fundos de pensão Petrus e Funcef, quando se tornaram sócios da JBS em 2008.

Além do PT, Joesley contou que pagava desde 2011 propinas a Lúcio Funaro, operador do deputado Eduardo Cunha e do “grupo do PMDB na Câmara”, a que pertencia Michel Temer. O motivo era a liberação de contratos de financiamento na Caixa Econômica Federal e de recursos do FI-FGTS, controlados por diretores ligados a Eduardo Cunha. Foram ao todo R$ 90 milhões em propinas, por contratos de R$ 2,89 bilhões.

Esse mecanismo foi confirmado pela delação premiada do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, ligado a Cunha. Cleto afirmou ter recebido propinas da JBS para liberar financiamentos do FI-FGTS. Joesley relatou vários outros episódios de propinas a Cunha e Funaro – entre outros, na eleição de Cunha à presidência da Câmara, na aprovação da desoneração da folha de pagamento para o setor avícola e em ações no ministério da Agricultura.

Não há, portanto, motivo para duvidar da veracidade do que Joesley disse sobre sua relação com Funaro e Cunha. Com o tempo, de acordo com o relato de Joesley, os pagamentos exigidos por Funaro superaram as receitas com os contratos, e sua conta ficou no vermelho. Joesley topou “zerar” os débitos em troca de futuras liberações na Caixa. Até que Funaro e Cunha foram presos e Joesley se viu obrigado a sustentar as famílias de ambos, para que permanecessem em silêncio na cadeia.

Foi isso que ele diz ter motivado sua visita a Temer no Palácio do Jaburu. Colocado dentro desse contexto, não resta muita dúvida sobre o significado das palavras de Joesley sobre Cunha: “Estou de bem com ele”. Nem da resposta de Temer: “Tem que manter isso, viu?”.

Mas os problemas para Temer não se restingem à anuência aos pagamentos a Cunha, que a PGR lhe atribui. Sua relação com Joesley data de 2010. Na delação, Joesley afirma ter pagado R$ 3 milhões em doações eleitorais a pedido de Temer, em especial à campanha de Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo. Há provas como notas fiscais e planilhas.

Na eleição de 2014, os delatores da JBS afirmaram que Temer recebeu R$ 15 milhões em doações, derivadas da conta de propinas do PT no exterior. O executivo Ricardo Saud contou que, no início, o tesoureiro de campanha do PT, Edinho Silva, mandou-lhe entregar dinheiro a senadores peemedebistas, mas não a Temer. Operadores de Temer lhe procuraram para receber, ele então ficou confuso. No final, diz Saud, Edinho consultou instâncias superiores da campanha e autorizou os pagamentos a Temer.

Temer, diz a delação, pediu que R$ 1 milhão fosse entregue em espécie num endereço da Vila Madalena em que funciona uma empresa comandada por um aliado histórico seu, conhecido como Coronel Lima. Florisvaldo confirmou a entrega. A JBS apresentou como provas fotos do local, a planilha e a anotação abaixo:Fác-símile de anotação com pagamentos atribuídos ao presidente Michel Temer na delação da JBS plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá decidir se mantém o inquérito contra Temer, aberto pelo ministro Edson Fachin. É natural que a discussão derive para a gravação da conversa com Joesley. É bom lembrar aos ministros que, mesmo que consiga desqualificar o áudio, Temer ainda tem muitas outras explicações a dar.

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